quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A um trabalho

Chegava sempre às 18:30. Ele e seus colegas tinham que arrumar as mesas,
deixá-las dispostas de maneira organizada e graciosa, mesmo havendo o fato de 92,3%
dos frequentadores daquele local não prestarem a mínima atenção a esses detalhes. Com
tudo muito bem disposto e checado – comidas, televisão, música e principalmente
bebidas – o bar é aberto às 19:31, de acordo com o relógio da personagem que estamos
acompanhando. Além de ele ainda insistir em usar tal acessório, este mostrava as horas
com 2 minutos de atraso; isso de acordo com celular do narrador, eu, no qual o tempo
era mensurado via satélite, não havendo riscos em haver desacertos. Porém, creditando
a existência da história à personagem, sugiro que se faça a conta e calcule que o bar
abriu no minuto exato que lhe era estipulado: 19:30.

Os garçons obedeciam à divisão feita pelo chefe. Um cuidava da parte interior
do estabelecimento, e dois da parte exterior, cada um ficando com um lado. Vitor, esse é
o nome do sujeito que estamos acompanhando, ficará no setor exterior esquerdo do bar.
No total terá que levar o bem-estar para 6 mesas, contabilizando, às vezes, mais de 50
pessoas procurando por algum divertimento. Era uma quinta-feira, o bar não deveria ter
sua lotação máxima, no entanto.

12 minutos após a abertura do bar, os primeiros clientes de seu setor chegaram.
Com isso acontecendo, o fluxo seguirá, apenas farei intervenções pontuais, que podem
ser muitas, aliás.

(Mesa 10)

- Oh, Vitão! Como você tá, meu velho? Tudo bem, cara? Me traz o
cardápio...não, não, quer saber?! Me traz aquela loira gostosa...a cerveja, cara (atesto
aqui que essas piadas já cansaram, mas como bom empregado, Vitor ri simpaticamente).
Daqui a pouco meus amigos chegam.

(Mesa 12)

- Ô, garçom! Psiu! OOO! Traz o cardápio aqui. Valeu, hein?! Viu, o que você
quer, amor?
- Que? Ah, só uma água, não quero beber hoje.
- Mas por que não? É a única noite que nos vemos na semana e não quer se
divertir? Mas que caralho. Traz uma caipirinha para ela dar uma animada.
- Não, já disse, não vou beber.
- Faz o favor, traz essa caipirinha para ela e uma cerveja para mim.
(Ela bebe toda a caipirinha, pede mais duas. Apenas os dois ocupam a mesa. Não
há diálogos).

(Mesa 10)

- Vitão, mais três copos que a galera chegou. Porra, mais quatro que a Carol já
chegou quebrando o meu. Já chega bêbada, puta que o pariu.
- Ah, cala a boca, Rafa. Vitão, me desculpe, você limpa aqui? Precisa de ajuda?
- E essa gola V, hein, Daniel?! Vai pegar uns rapazes hoje?
- Mano, odeio chegar depois que você. Cê já tá alto, meu Deus.
(Vitor limpa a mesa, recolhe os cacos do copo que não será cobrado)
- Obrigado, Vitão! Esse cara é muito gente boa.
Vitor permanece próximo à escada que dá acesso ao interior do bar. Dali tem
uma boa visão das mesas, mas é obrigado a ficar ao lado da 12.

(Mesa 12)

(O namorado está no celular, mexendo no Facebook, com cara de merda, aquela
que denuncia a falta de disposição em estar em certo lugar. Ela beberica sua segunda
caipirinha. Já está ruborizada por conta da bebida, parece que tem algo a dizer, mas fica
quieta, subserviente ao silêncio instaurado.)

(Mesa 8)

- O que vocês querem?
(Não foi possível distinguir o que cada um falou)
- Você pode esperar um minutinho, por favor? Não, espera aqui, é rápido, senão
você não volta mais. E aí, gente?
- Pede aquele breja da semana passada mesmo.
- Não, ela me dá uma puta dor de cabeça no outro dia. Tem alguma mais leve?
- Viado.
(Vitor entrega o cardápio)
- Porra, que breja cara!
- Vamos naquela mesma.
- É que você não trabalha amanhã.
(Vitor sorrateiramente deixou o lugar, atendeu a mesa 10, voltou e eles ainda não
tinham decidido).
- Manda a mais baratinha mesmo e pra ele pega a mais leve, vai. Mas você que
paga, hein, Gu.
- Tudo bem
.
(Mesa 10)

- Vitão, traz mais duas que o pessoal tá enxugando hoje. Ahh, e uma porção de
calabresa também.

(Mesa 12)

(Ela perceptivelmente tem os olhos vermelhos, porém contem as lágrimas que
brotam. Vai ao banheiro, volta reestabelecida. Ele não percebeu que ela foi nem voltou.
Continua no celular, comunicando-se virtualmente quando, pessoalmente, está alheio ao
que ocorre.)

(Mesa 10)

(Enquanto posiciona cuidadosamente os condimentos e a travessa com a
calabresa naquela mesa ouve: )
- Peguei aquela sua amiga semana passada...a Lívia. Bonita pra caralho, mas não
fala nada, cara.
- Ela é assim mesmo, fiquei sabendo que ela passou por alguns traumas, sabe,
coisas difíceis de superar.
- Ela supera com uma pica...
- Mano, cala a boca. Os pais dela morreram no mesmo ano... a mina tá tentando
se encontrar e você fala essas merdas.
- É bar, cara, só estava brincando. Aqui pode se falar qualquer coisa, não é,
Vitão? (ele sorri e volta para o seu posto)

(Mesa 8)

- Não traz aquela cerveja para mim, não, está muito cara. Vou beber o que eles
tão tomando agora, senão vou ter que lavar prato aqui hoje.
- E a dor de cabeça do dia posterior?
- Foda-se, aguento por um dia.

(Mesa 12)

(Ela levanta o rosto corado, num gole vira sua terceira caipirinha e monologa: )
- Para que você me quer aqui, hein?! Disse que é o único dia que podemos sair, e
é mesmo, mas o que você faz enquanto isso? Fuça nessa merda de celular, nessa droga.
Nem olha na porra da minha, cara. Que caralho! Você me apressa, me traz aqui, bebe
sua cerveja rapidamente, parece nervoso, ansioso, sei lá. Onde você quer ir, hein?!
Naquela merda de festa de aniversário de seus colegas de trabalho que você diz que não
gosta? Pode ir, vou a pé para a casa. Não fará muita diferença, fico sozinha lá. Eu e eu
mesma. Tive um dia de merda, mas me desculpe, isso não foi perguntado. Eu te
perguntei no carro, você nem fingiu interesse em refazer a pergunta, nada! Trocamos
três palavras, três hoje...
- Você vai ficar sozinha?
- Não estava me ouvindo?
- Estou distraído aqui, meu. O Gabriel disse que está dahora pra caralho a festa
da firma, tem de tudo.
- E por que ele não está aproveitando, então?! Enfim, vou embora.
- Mas porquê?
(Ela deixou 20 reais na mesa e foi, não de uma vez, embora. Esperou 20 minutos
por ele na esquina da frente ao bar, mas ele nem sequer notou. De longe viam-se as
lágrimas, agora abundantes, escorrendo pela sua face. Num outro dia, numa terça-feira
nada movimentada, ela foi sozinha ao bar, sentou-se na mesma mesa. Condicionada
pela melancolia, contou à pessoa mais próxima, que era Vitor, o que lhe ocorrera: - Eu
tinha torcido o pé descendo uma escada no trabalho, sabe?! Meu pé inchou muito, eu
mal consegui andar. Fui direto para o pronto socorro. Apenas enfaixaram o meu pé. O
médico falou para eu tomar um anti-inflamatório, que não tinha sido nada demais. Eu
não queria beber para não misturar o remédio com álcool, falam que corta o efeito. Ele
não percebeu nada, eu caminhava meio manca. Nada. Eu estava cheirando à spray. Ele
não comentou nada. Me traz uma cerveja, apenas uma. Minha avó teve um AVC, tenho
que visitá-la daqui a pouco.)

(Mesa 12)

(Ele vai embora depois de 25 minutos. Coloca o dinheiro dela no bolso. Paga
com cartão de crédito. Ou Vitor nunca mais o viu, ou sempre tem a impressão de vê-lo
quando nota alguém grudado numa tela de celular. Tanto faz. A nulidade persiste.)

(Mesa 12)

- Uma original e dois copos. Valeu.
- Como eu estava falando. Estar ou não num relacionamento é muito mais um
estado de espírito. Ele não tem que ser exposto, oficializado etc.
- Para mim você está apenas defendendo o seu lado; se suas características não
fossem essas e sim as opostas, você conseguiria argumentos para defendê-las do mesmo
modo. Você namora, de maneira oficial, se é que isso existe, manda mensagens para a
sua ex, enquanto a sua namorada não está pela cidade você sai por aí atrás de meninas
preferencialmente mais novas...devo continuar? Isso tudo soa muito mal resolvido, cara.
Se não fosse o fato de você ser um canalha, você não defenderia a canalhice...
- Aí você já está colocando um juízo de valor nas coisas que faço. Veja bem, eu
apenas não me sinto namorando; dessa forma, eu posso agir como um solteiro...
- Você explicou isso para a sua namorada?
- Claro que não, ela não entenderia.
- Então, no estado de espírito dela, vocês estão juntos?
- No meu também, só que não a todo o momento.

(Mesa 10)

- Vitão, ô, Vitão, traz a conta aí pra gente, por favor?

(Mesa 12)

- É o que eu disse, você vai conseguir se safar por conta dessa argumentação, só
espero que ela funcione internamente.

(Mesa 10)

- Valeu, cara! Porra, vocês beberam, hein?!

(Mesa 12)

- Essa conversa está muito séria para uma mesa de bar, cara. A Débora não vai
estar aqui, para onde vamos amanhã?

(Mesa 8)

- Traz a conta com a cerveja dele em separado, hein?!

(Mesa 12)

- ...naquele filme entediante lá, porra, 2 horas e 40, metade de imagens tiradas do
Discovery Channel.
- Você que é todo cult tem que aguentar essas obras.
- Porra, pera aí que a Débora está ligando.
- Oi, Dé. Tudo bem, linda, e aí? Tudo tranquilo...estou no bar com o
Augusto...daqui a pouco vamos embora. Como está Minas? Entendi, mande um abraço
para a sua família. Viu, estou com saudades, quando vamos nos ver? Ahh, vai demorar,
que pena. Não, não ando fazendo nada demais, estou tranquilo, relaxando. Me fale sobre
o seu dia...nossa, que legal, e aí? Poxa, ela tem que tomar cuidado para não cair. Só
isso? Ah, você sabe que não dá para eu ir para a sua casa, tenho coisas para resolver por
aqui. Já conversamos sobre isso. Coisas da escola. Sim, estamos de férias, é que estou
com uns projetos aí. Não posso falar, já disse, é surpresa. Ó, já tenho que sair, o
Augusto acorda cedo amanhã, já está reclamando de sono. Sim, tudo bem. Beijos. Te
amo também.
- Vai ter que inventar esses projetos agora, você sabe, né?!
- Pois é, cara. Não é fácil manter mentiras. Que mundo errado. Não acredito em
honestidade, confio mais naqueles que mostram os seus erros e sua humanidade, sabe?!
- Então você não confia em ninguém.
- Pode ser que não. Nem em mim mesmo.
- Principalmente em você mesmo. Se eu fosse você, não confiaria em mim
mesmo.
- Já deu, vamos para aquela festa que eu te falei. Arranjei umas coisas para você.
- Só para mim, é?!
- Claro que não, o altruísmo não existe em mim.
- Agora sim. Garçom, a conta aqui, por favor.

Dia de semana, às 11: 35, de acordo com a média do meu celular e do relógio de
Vitor, o bar fechou. Arrumaram-se as cadeiras, colocou-se tudo em ordem. A faxineira
viria pela manhã limpar os pequenos estragos de uma quinta-feira à noite. 00: 02 e está
tudo devidamente ordenado. Vitor se despede de seus companheiros e caminha até a sua
casa. São apenas 5 minutos de um lugar para o outro.
Ele chega em seu pequeno apartamento. Toma um banho quente para relaxar.
Não come nada. Usa a televisão como sonífero. 1:01 da madrugada ele deita em sua
cama. No meio termo entre o estado de dormência e o de vigília várias imagens daquele
dia pululam em sua mente, formando uma narrativa amorfa e inverossímil: A namorada
de Minas sofreu um AVC. Os dois amigos pedem uma cerveja mais leve. O galanteador
defende a ideia que uma garota realmente precisa de sexo para que se curem os traumas.
A garota ignorada pelo namorado é chamada de viado. Débora é bonita pra caralho. Ele
está numa festa em que nada faz sentido. Perde a consciência. Dorme. Acorda. Mas que diabos,
o que realmente ouviu na noite passada?

domingo, 21 de julho de 2013

À dependência.


          Acredito que muitas pessoas se apeguem a alguns rituais, antecedendo atos, para que esses saiam da maneira esperada. Alguns jogadores de futebol pisam primeiro com a perna direita no gramado e depois fazem o sinal da cruz, devotos que são. Um amigo meu até hoje tem uma maneira específica de focar sua respiração antes de provas importantes. Outro tinha que arrumar o cabelo de uma certa exata maneira antes de ir a festas, caso não o fizesse, não iria conhecer ninguém de interessante; isso mudou quando uma confraternização foi feita na sua própria casa e preparada sem o consentimento dele. O que aconteceu é que ele chegou de uma viagem de cinco horas com a festa já rolando, descabelado, cansado, sedento por sua cama. Porém, obrigado a participar daquele encontro, ficou por lá, até conhecer uma linda garota com quem ele namorou por três felizes anos. De certa maneira, essa lição nada vale, já que atualmente ele mal possui cabelo, mas, o que quero dizer, é que podemos nos desapegar daquela mania, daquele rito; substituindo-o, esquecendo-o através do tempo ou até mesmo forçosamente; temos o poder inconsciente, à despeito do que foi dito a pouco, de reforçar tal rito, criando outros a partir de um, tornando-se obsessivo, não sabendo como lidar com tarefas simples sem aquilo. O desapego não é simples, acontecendo ou não; no meu caso, não cabe a mim analisar.
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Estávamos, Marcela e eu, no nosso terceiro ano de relacionamento quando decidimos morarmos juntos. Ambos cursando faculdade e trabalhando, conseguimos alugar um apartamento simpático que nos facilitou a vida por certo tempo. Construímos nossa própria rotina, acordávamos no mesmo horário, tomávamos o café-da-manhã apressadamente, íamos trabalhar. Depois nos encontrávamos para o almoço. Quando tínhamos dinheiro o suficiente, comíamos em restaurantes de certo prestígio, quando não, improvisávamos na cozinha.
Não havia muitos dramas, claro que brigas aconteciam, mas íamos nos ajustando, fazendo daquela casa e de nós um ser uno, ou pelo menos dependente da presença do outro. À noite caminhávamos conjuntamente à faculdade. Cansados, assistíamos a alguma aulas enfadonhas, outras boas, algumas tão insuportáveis que tínhamos que dar várias voltas pelo campus. Sempre juntos, doentiamente juntos.
Antes de dormir é que algo floresceu em mim, algo bastante íntimo, pelo menos para aquele que era observado. Eu não conseguia dormir sem observá-la, calmamente, diminuir a sua respiração e progressivamente cair num sono que se tornava profundo. Após esse exercício de relaxamento, sim, que eu conseguia descansar.
No começo daquele tempo juntos esse ato era lindo, ela gostava de ser observada e se sentir protegida, me dizia. Eu ia consolidando cada vez mais aquele ritual. Após um tempo, ela nem ligava mais para tal coisa, eu me sentia mal quando nossas rotinas não batiam e eu não conseguia vê-la adormecer. Eu tinha que tomar ansiolíticos e do mesmo modo o meu sono era agitado, intranquilo. Eu estava completamente viciado naquele ritual e, por conseguinte, nela. Eu tinha que tê-la.
           Um dia terminamos o relacionamento. Não vou relatar tudo o que levou ao rompimento, é apenas isso o que se precisa saber: eu não a tinha mais.
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Estava totalmente atordoado. Passava praticamente o dia assim; via-me mais morto que vivo, fitando sem propósito coisas que se postavam a minha frente. Para quem me olhava, parecia que eu refletia sobre algo, mas não, não havia reflexão alguma, o que era para ser pensado já estava saturado: os motivos para o meu entorpecimento eram claros e óbvios. O que havia eu de fazer?
As noites na faculdade se faziam e desapareciam num entorpecimento que tendia ao irreal. Uma hora estava lá, completamente sozinho pois minhas amizades foram desaparecendo com a minha derrocada, assistindo-a interagir facilmente com outras pessoas, criando laços para mim impossíveis. Na eternidade de alguns segundo eu já estava novamente solitário em casa, tentando inutilmente me concentrar em alguma leitura.
           Quem já dessa maneira sofreu e tenha talvez uma mente um tanto quanto perturbada por questões que não prestam sabe: sair da prostração em que se encontra não é um mero querer; longe disso, é uma luta constante e hipócrita de você consigo mesmo, dizendo-se: “Você vai sair dessa!”. Provavelmente é uma grande mentira, porém são essas palavras que te mantém vivo.
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Cedi à vida, pelo menos tentei; as pessoas enxergavam em mim um ser mais carismático. Recorri à ajuda de alopatias, homeopatias, psicanálise, psicologia, psiquiatria, xamanismo, yoga, pilates, animais de estimação, livros de auto-ajuda (queimados posteriormente), empréstimos de dinheiro – como pagar por tudo isso? -, mas, por fim, a melhora se deu por um dos aspectos citados e outro, que me arrebatou.
Dana, minha gata, foi de grande serventia; sua apatia para com o mundo me remediava; seu carinho com propósitos também; a sua discrição trazia todo um charme àquele felino. Me apeguei a ela. Quando sumia, dando vazão a seus instintos selvagens, eu me preocupava, mas logo ela voltava, às vezes com um presente: algo que matara e trouxera cuidadosamente. O que me arrebatou, bem, isso já era de se esperar, iria ocorrer mesmo que a sua vontade, conscientemente, seja de permanecer isolado, o convívio social é impossível de se desvencilhar.
            Vai-se ao trabalho, encontra-se na faculdade, vê-se, sem motivos aparentes, num bar ao redor de um daqueles locais. Apega-se aquele bar, a cerveja, para acalmar e ajudar no sono, torna-se uma rotina atraente. Sentei-me sempre ao fundo daquele local, num lugar escuro, mesa quinze: - Uma Original, por favor, eu pedia friamente ao garçom. Eu bebia, de maneira calma e caminhava mais sereno, acompanhado pela música em meus fones de ouvido, em direção à minha casa, onde me deparava com Dana e a minha vontade de desvanecer placidamente. O sono, porém, ainda era agitado.
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Numa noite de quinta-feira, no mesmo bar de sempre – ele se encontra no meio caminho entre o meu apartamento e a faculdade, eu fiz o pedido usual, natural, rotineiro: - Uma Original, por favor. Atendido prontamente pelo garçom, que provavelmente deve ter alguma ideia sobre o ser bizarro que aparece quase todos os dias no mesmo horário, pede a mesma coisa, e está sempre solitário, comecei a degustar aquela cerveja, deliciosamente gelada.
Havia sido um dia cansativo, por conta disso eu tinha aquele aspecto de refletir sobre algo, olhando para um ponto fixo, sem que nada de palpável perpassasse a minha mente. Durante essa (não) divagação, eu encontrei meu ponto fixo numa certa garota, sem ao menos perceber isso e também, por conseguinte, que eu poderia ser visto como um maníaco. Nada disso ocorreu; algo curioso, felizmente, incidiu. Ela chegou-se até a minha mesa, o que apenas percebi quando seus passos firmes me tiraram do meu estado torpe. Eu não estava acostumado com aquilo, ela puxou uma cadeira e perguntou se poderia sentar-se, eu apenas balancei a cabeça timidamente, insinuando que sim, que ela poderia fazer aquilo.
A conversa, no começo, não foi das mais fluidas. Eu respondia algumas perguntas com monossílabos, suspeitando aquela abordagem. A garota era resistente, continuava e eu, gradativamente, fui dando conta de seu esforço e resolvi retribui-lo fazendo, também, questões. A empatia foi se tornando maior, fui saindo da minha rotina, quando percebi estávamos na nossa sexta cerveja e já era uma e meia da manhã. O bar estava fechando. Tarde que era, resolvi acompanhá-la até a sua casa, que se demonstrou ser mais longe do que aparentava; em todo caso, eu estava bem disposto, tanto pela conversa quanto pelo efeito do álcool em meu corpo.
Chegando a frente de sua casa ela disse que gostaria de confessar algo. Mais precisamente, ela me contou que observava como Marcela e eu éramos apaixonados, como nossa relação era demasiada bela etc etc. Me disse, também, que acompanhou a minha derrocada. Ela, de nome Vivian, me observava, e eu, na nebulosidade da minha depressão nunca me dei conta. Ela estudava na mesma faculdade que eu, frequentava o mesmo curso, porém um ano mais nova, e eu nunca, nunca me dei conta daqueles admiráveis cabelos negros e longos, daqueles olhos vívidos que perscrutam o que enxergam, daquele rosto simétrico marcado por pequenas pintas que apareciam e desapareciam de acordo com a luz. Estava com raiva de mim mesmo, porém aliviado, naquele instante. O certo é que, superficialmente, ela me conhecia, já eu não, não a conhecia, mas, com o tempo, isso aconteceu.
           Naquela noite nos beijamos timidamente. Nada mais que isso sucedeu. Naquela noite.
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Fui retomando minha energia e disposição à medida que o relacionamento evoluía. Ela mudou-se para o meu apartamento no sétimo mês de namoro. Fomos dialogando e conseguimos achar uma rotina confortável para ambos. O mais importante: eu poderia vê-la dormir, assim como acontecia com Marcela. Vivian dormia ainda mais rapidamente, era impressionante, mas tive êxito em me adequar àquilo.
          O que me preocupa é a nossa codependência. Para viver alegre eu, sozinho, sou um fracasso. O ritual da minha felicidade é estritamente ligado ao dela. Medida paliativa ou não, encontro-me, no momento, bem.